Voltamos a ativa para falar de um assunto tão importante quanto abandonado: a forma como a mídia trata os temas ambientais, em especial mudanças climáticas e como isso, conseqüentemente afeta o que a população pensa a respeito. Diante das mudanças climáticas no planeta e mobilizações da comunidade científica sobre o tema, divulgação do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), por exemplo, a mídia viu-se frente ao desafio de alertar com imparcialidade à população para os riscos dessa nova ameaça que já é considerada “maior do que a ameaça terrorista”. Foi divulgado esse mês na internet o texto “Talking about a revolution: climate change and the media”, pelo International Institute for Environment and Development (IIED). Disponibilizo aqui tradução de trechos do briefing do instituto.
Pontos chave:
- Há muito criticismo de como a mídia vem cobrindo as mudanças climáticas até hoje, mas muitos sinais de melhora também. Para jornalistas novos ao tema mudança climática, ele é complexo, o que faz com que treinamento seja uma prioridade para os representantes da mídia.
- A falsa imparcialidade que tem sido um problema por anos parece estar diminuindo, mas uma catástrofe narrativa que tira o poder das pessoas continua. Aqueles que fornecem informação aos órgãos da mídia _ cientistas, políticos, e ONGs _ dividem um pouco da culpa. O jeito que eles e a mídia apresentam o tema afetará como as audiências respondem.
- Desafios incluindo tornar as histórias mais relevantes à população, aumentando o perfil de adaptação e de perspectivas dos pobres, e fazendo abordagens que tragam benefícios adicionais.
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Compreendendo os fundamentos.
Especialmente em países mais pobres, poucos repórteres são bem treinados, conectados e com fontes para o desafio a frente. Globalmente, com exceção de poucos jornalistas que tem cobrido a mudança climática por anos, a mídia tem estado muito lenta diante da rapidez dos fatos. Mudança climática costumava ser “apenas” uma história científica ou de meio ambiente, nunca o tipo de notícia que recebia maior atenção. E muitos editores são formados em áreas de artes, sem vontade ou capacidade para entender ciência. Mas a mudança climática agora engloba a economia, saúde, segurança e mais. De repente, repórteres científicos estão cobrindo um assunto político e vice-versa. Para muitos, o tema é novo, extremamente complexo e fácil de ser mal entendido. Escrevendo em Novembro de 2007, Richard Black e Roger Harrabin (que faz reportagens sobre mudança climática para a BBC) disse a seus colegs jornalistas o quanto era importante que eles se atualizassem. “Se a gente não tiver uma boa noção dos fundamentos do debate climático, nos arriscamos a apresentar ao nosso público um monte de opiniões desatualizadas, sem fundamentos ou simplesmente erradas”. Essa compreensão tem freqüentemente faltado e isso contribuiu com um grande problema: falsa neutralidade.”
Evidência e Emoção
Em 25 de outubro de 2007, mais de um milhão de oassageiros em Londres leram o jornal gratuito Metro. A manchete na página 4 gritava: “Nós estamos na maior corrida de nossas vidas”. A matéria era sobre o relatório GEO-4 do “Programa Ambiental UN”, que dizia que a ação a respeito de mudanças climáticas e outros assuntos era desgraçadamente inadequada. Mas ao invés de citar um cientista qualificado, Metro citou o apresentador de TV infantil e cínico do aquecimento global Johnny Ball, que incita dúvida na necessidade de tratar do assunto mudança climática.
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Esse é um entre muitos exemplos da neutralidade do jornalismo apresentada erroneamente. Isso vem da necessidade da mídia de aparecer imparcial e mostrar os dois lados da história. E em termos de notícias, o conflito vende mais do que o consenso. Por anos, jornalistas têm “equilibrado” ciência e ceticismo, compensando evidência com emoção. Ao ignorar o alarmante consenso científico, isso efetivamente instila uma tendência. Isso serve para confundir e desinformar o público e tem ajudado a atrasar ações sobre as mudanças climáticas. Algo sinistro contribuiu para esse fracasso. Companhias e políticos com interesses em manter o “status quo” têm tentado subestimar a ciência e subverter o jornalismo. Ao fazer isso, eles têm destruído também a confiança do povo. Algumas das maiores reportagens jornalísticas sobre o tema, têm “seguido o dinheiro” e exposto esses interesses. Isso ajudou a chegar numa grande mudança na forma de reportar mudança climática nos Estados Unidos _ cuja postura sobre o tema tem se esquivado de ações internacionais por uma década. Pesquisa publicada em Novembro de 2007 por Maxwell Boykoff da Universidade de Oxford, Reino Unido, mostra que a maioria dos artigos de jornais americanos de 1990 a 2004 equilibrou a visão de que humanos causam as mudanças climáticas com a visão contrária. A boa notícia, segundo ele, é que por volta de 2005 isso acabou. “Enquanto isso gera algum motivo para otimismo que a mídia possa agir como um catalisador mais forte para ação mais decisiva quanto a política climática”, ele escreveu, “muitos outros desafios continuam quanto a assegurar informação científica e sobre a tomada de decisões a respeito”. Entre eles, está a forma como matérias sobre mudanças climáticas são apresentadas.
Da negação ao desespero... à ação
Pesquisa sugere que mensagens complexas como aquelas sobre mudanças climáticas vão causar efeito entre mais pessoas se forem organizadas de forma a se adaptar a diversas audiências _ isso é dito com um forte foco num certo aspecto da estória. A apresentação da “incerteza científica” atinge pessoas que não querem mudança enquanto a apresentação focada na “segurança nacional” pode inspirar ação dos mesmos indivíduos.
A imagem do “urso polar” apela para a maioria dos amantes de animais, enquanto “dinheiro” atinge polítcos e o setor privado. Mas entre as formas de tratamento mais comuns está uma que inspira falta de ação: a da “catástrofe”. James Painter observou como as principais Tvs no Brasil, na China, Índia, México, Rússia e África do Sul cobriram dois dos relatórios do IPCC em 2007. O primeiro, relatório “negativo” sobre os impactos das mudanças climáticas foi coberto por mais emissoras e em mais detalhes do que o segundo, relatório “positivo” sobre efeito estufa e emissões de gás. Numa pesquisa publicada em 2006 por Futerra, apenas 25 por cento das matérias sobre mudanças climáticas nos jornais do Reino Unido foram positivas _ focadas mais em soluções do que problemas. Mais tarde naquele mesmo ano, o UK Institute for Public policy Research identificou as duas maiores formas como a mídia, governo e grupos de defesa do meio ambiente estavam tratando mudanças climáticas: Alarmismo (todos nós vamos morrer) e Pequenas Ações (estou fazendo um pouco pelo planeta _ e talvez pelo meu bolso). Concluiu-se que essas narrativas são “contraditórias e caóticas, com o resultado mais provável de que o público sinta-se sem poder e sem motivação para agir”.
Mike Hulme, então diretor do UK Tyndall – Centro para Pesquisa sobre Mudanças Climáticas, mais tarde avisou que “o discurso catastrófico corre o risco de levar a sociedade por uma trajetória negativa, depressiva e reacionária".
Quais são as alternativas? Uma é focar mais nas soluções para mudança climática e formas de adaptar-se aos seus efeitos, e menos nas estatísticas aterrorizantes _ para se mover de descrença ao desespero e à ação. Outra é conectar nas mentes das audiências as emissões por um lado e os impactos por outro, e dividir as vozes e preocupações dos mais pobres, mais vulneráveis que têm contribuído menos para o problema, mas vão sofrer mais as conseqüências. É legítimo apontar que enquanto o futuro parece obscuro ao mesmo tempo mudanças são possíveis. (...) Enquanto “catástrofe” deixa as pessoas se sentido desamparadas, “justiça e equidade” as faz sentir poderosas. “A maioria das pessoas que debatem as mudanças climáticas focam-se em como cortar as emissões e como levar Estados Unidos, China e Índia a um acordo”, diz Saleemul Hug, chefe de mudanças climáticas no IIED. “Impactos das mudanças climáticas nos países pobres, e as responsabilidades das nações ricas em ajudá-los ganha muito menos atenção”.
Aqui está então um desafio para a mídia. Se todas as emissões de gás parassem nesse segundo, ainda haveria muito de mudança climática estocado, porcausa de atrasos no sistema atmosférico da Terra. As comunidades mais vulneráveis devem se adaptar, e elas precisam de suporte financeiro para fazê-lo. Mas esse aspecto das mudanças climáticas não é reportado. As vozes dos vulneráveis são raramente ouvidas por aqueles no poder. No estudo de Painter sobre a cobertura dada pela TV ao relatório do IPCC nas maiores economias emergentes, como Brasil, China e Índia, adaptação “recebeu escassa, se alguma, atenção da mídia” apesar de ser mencionada no título do relatório de Abril de 2007.
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Razões para esperança
O trabalho da mídia não é mudar o mundo. É papel da sociedade transformar más notícias em boas. Mas a mídia tem um papel na sociedade de dar poder às pessoas para que façam decisões bem informadas. Apesar de reações públicas, privadas e políticas à mudança climática sejam ainda pequenas em relação ao que poderosos argumentos científicos, econômicos e morais demandam.
Tem sido dito que a coisa mais importante em comunicação é ouvir o que não está sendo dito. No caso da cobertura da mídia a respeito das mudanças climáticas, isso inclui a urgência de adaptação, os custos de agir e de falhar nisso, a visão dos pobres, os interesses que resistem às mudanças, e o potencial de garantia de que ações nesse sentido trarão co-benefícios. Há muitas boas histórias para contar e muitas formas de melhorar o jeito que elas são contadas e tornadas relevantes para diversas audiências. A mídia não é totalmente culpada. Cientistas têm a muito tempo se esforçado para dar um passo a frente de seu círculo e isso significou muitos resistindo a contar suas estórias simplesmente e sem jargões _ o que desanimava o público. Cientistas precisam ser melhores ao se comunicar sobre o assunto e ambientalistas precisam parar de se focar em catástrofe nas suas mensagens. Comunicadores podem fazer muito mais para transmitir suas mensagens ao público.
Para jornalistas, o maior problema é compreender a natureza complexa do assunto enquanto ele continua a adquirir novas dimensões. Treinamento e acesso à “experts” será chave, especialmente para repórteres com poucas fontes nos países mais pobres. Com um pouco de tempo e treino, jornalistas não-científicos podem cobrir bem o assunto mudança climática. Eles precisam não pensar que isto está além de suas capacidades. Fontes na internet estão se tornando cada vez mais importantes_ e acessíveis a jornalistas ao redor do mundo. O papel emergente de alguns desses sites veio à tona em Novembro de 2007, quando bloggers rapidamente expuseram uma “pegadinha” sobre mudança climática que havia enganado alguns setores da mídia (ver “Bloggers to the Rescue)”.
Estudos detalhados sobre a cobertura da mídia que estão ocorrendo na China, Índia, México, Vietnam e outras nações deverão revelar muito sobre como jornalistas lá estão tratando esse assunto e como isso afeta o público. Um sinal encorajador veio em 2007, quando o gigante banco internacional HSBC observou atitudes públicas sobre mudança climática no Brasil, China, França, Alemanha, Hong Kong, Índia, México, Reino Unido e Estados Unidos. Descobriu que “são nos países em desenvolvimento que as pessoas mostram maior preocupação, compromisso e otimismo, e nos países desenvolvidos que pessoas mostram a maior indiferença, relutância e fatalismo”.
O final da história
Mike Tidwell não é o único a convocar revolução. Quando o IPCC publicou seu relatório em Fevereiro, o presidente francês Jacques Chirac disse: “De frente com essa emergência, a hora não é para meias-medidas. A hora é para revolução: uma revolução na nossa atenção, uma revolução na economia, uma revolução de ação política.” Em setembro de 2007, Bjorn Stigson, chefe do Conselho Mundial para Desenvolvimento Sustentável, avisou que para conter as mudanças climáticas, precisamos de uma revolução da sociedade numa escala nunca antes vista em tempos de paz. “Isso irá provavelmente piorar antes de melhorar, antes dos governos sentirem que eles têm a obrigação política de agir”, disse ele ao Financial Times. “Nós iremos ter que entrar em algum tipo de crise antes disso ser resolvido. Eu não acho que as pessoas tenham se dado conta do desafio. Isso é mais sério do que as pessoas pensam.”
A ciência nos diz que uma janela de oportunidades está prestes a fechar com tudo sobre nossos dedos. O chefe da UN Framework Convention on Climate Change diz que há apenas dois anos para se negociar um acordo global mais forte, mais justo sobre como tratar a questão das mudanças climáticas. Mudanças massivas na política e no comportamento do povo serão necessários para manter as concentrações dos gases estufa abaixo de níveis perigosos e para adaptar-se às mudanças que já são inevitáveis. A mídia e aqueles que recorrem à ela para informação terão um papel cada vez maior em se haverá ou não uma revolução e como ela se dará caso aconteça. A boa notícia é que o clima não é a única coisa que está mudando.
Tradução por Bruna F. Righesso.
Fonte: http://www.iied.org/pubs/pdf/full/17029IIED.pdf
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
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